Oportunidades históricas não aparecem todos os dias. A crise econômico-financeira que está acontecendo no mundo parece ser uma e não pode ser perdida. Diz-se sempre que toda crise abre espaços para o novo e o diferente, para a ruptura, para a mudança. Fora da crise, as instituições são sólidas, não é permitido o questionamento de sua modelagem, muito menos de seu conteúdo. Mas quando se instala a crise, seja no plano social, seja no plano estrutural, seja no plano privado e pessoal, tudo é colocado em xeque, pergunta-se sobre tudo, formulam-se opiniões, constroem-se consensos antes impossíveis, age-se de forma inesperada e imprevisível.
Não se sabe ainda a extensão da atual crise, sua profundidade, quanto tempo durará. Segundo Paul Krugman, que acabou de receber o Prêmio Nobel de Economia, “a economia real continuará sofrendo”. Por sua vez, o ‘pai’ do Consenso de Washington, John Williamson, que deu base ao neoliberalismo, diz: “O que estamos vendo são as conseqüências do modo como os Estados Unidos vem se comportando há vários anos. A recessão nos EUA é inevitável. O que não sabemos ainda se será uma forte e rápida recessão ou alguma coisa bem mais prolongada”.
Já o grande intelectual de esquerda, Noam Chomsky, diz: “Eu não vejo nenhuma indicação de que as instituições básicas do capitalismo estejam prestes a serem significativamente modificadas. Vivemos numa cultura altamente ideológica na qual ‘estatização’ é uma palavra que põe medo, como ‘socialismo’. Perguntado sobre qual tipo de capitalismo vai emergir da atual crise, Chomsky responde: “O capitalismo de Estado será provavelmente muito parecido ao atual, com um pouco mais de regulação e controle sobre as instituições financeiras,que serão reconstruídas com os bancos de investimento. Não há, pelo menos agora, indicações de mudanças dramáticas”.
É do que se fala todos os dias, páginas e páginas de jornais, noticiários de televisão, até o povo na rua já se pergunta sobre a tal crise, quais as possíveis conseqüências sobre sua vida, seu emprego, seu salário. No meio do turbilhão, as opiniões são muitas e variadas, à luz do vetor ideológico de cada um e dos eventuais interesses em jogo.
A Comissão Nacional da Rede TALHER de Educação Cidadã, reunida na Chácara do CIMI em Luziânia, fez uma análise de conjuntura, tendo por ponto de partida e centro a ótica dos movimentos sociais, dos governos de esquerda, no objetivo de uma mudança estrutural e popular. Pelo menos três constatações foram unânimes. A primeira: o capitalismo não está em fase terminal. O que está em crise é um determinado tipo de capitalismo, o neoliberal, implantado a ferro e fogo nas últimas décadas, a partir de Margareth Thatcher na Inglaterra, Ronald Reagan nos Estados Unidos e da ditadura chilena de Pinochet, experiências depois assumidas e seguidas em todo mundo, inclusive no Brasil, com Collor e FHC. Segunda: a hegemonia e o poderio americanos (como da Europa e do Japão) estão enfraquecendo. Os países dominantes do último século ou perderão liderança ou ao menos serão obrigados a reparti-la com os BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China. Terceira: os valores neoliberais estão em questionamento. Não se realizaram, não trouxeram a felicidade prometida, não resolveram os problemas do mundo e da humanidade.
A partir destas constatações, os educadores da equipe nacional do TALHER e os representantes (dois) de cada uma das cinco macro-regiões brasileiras concluíram que esta talvez seja uma oportunidade a não ser desperdiçada. Nos anos oitenta, os ventos da mudança sopraram no Brasil. Organizaram-se movimentos sociais em nível nacional, partidos de esquerda, foram construídos governos populares. A luta de massas estava em ascensão. Nos anos noventa, ao contrário, o descenso marcou as lutas e as organizações sociais de esquerda. Divisões, fragmentação, perda do referencial utópico foram as marcas principais. Nos anos dois mil, houve avanços e houve retrocessos. O novo surgiu na recusa popular aos modelos neoliberais, através da eleição de governos de esquerda e centro-esquerda na América do Sul, ainda que as lutas de massa muitas vezes não fossem as principais propulsoras das vitórias.
Agora, pode estar-se abrindo novo período. O projeto de sociedade pregado à exaustão, baseado no livre mercado, na competição, no Estado mínimo, nas políticas sociais compensatórias, desmoronou. O projeto de desenvolvimento que se lixava para a natureza, o meio ambiente e a distribuição de renda está-se esvaindo por entre os dedos. É momento de recolocar na cena política e no debate social qual sociedade se quer, sob que valores deve ser construída, com que fundamentos econômico-sociais. Assim como é hora de pensar e repensar qual desenvolvimento é o desejável, como nele incluir todas e todos, como preservar o meio ambiente e a natureza, o que significa uma vida saudável, o que é qualidade de vida.
A Rede TALHER de Educação Cidadã (assim como o Projeto Escolas-Irmãs) propõe-se a contribuir nesta reflexão. Todos os setores preocupados com o futuro estão convocados. É preciso realizar seminários, retomar processos de formação permanentes, animar todo e qualquer debate, diálogo, troca de idéias, escrever e divulgar experiências, é preciso organizar as lutas do povo pobre e trabalhador. Não é hora de desanimar. Quando as contradições emergem e se tornam visíveis, é hora de desmascará-las, colocá-las a nu, dialeticamente revolvê-las, para que na síntese surja o novo, a esperança, em forma de justiça social, de solidariedade, de garantia dos direitos, de democracia, de partilha.
Selvino Heck
Assessor Especial do Presidente da República
Agradecida,ao político, poeta, sonhador como eu, da possibilidade da construção de mundo melhor.
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