quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

PÃO-DURISMO DE NATAL

PÃO-DURISMO DE NATAL

Sou pão-duro proclamado e assumido. Essa qualidade (ou defeito?) tem muito a ver com o Natal, por incrível que pareça.

Sou o mais velho de 9 irmãos de papai Léo, falecido, e mamãe Lúcia, muito viva, trabalhando em casa e na roça aos 82, em Santa Emília, Venâncio Aires, interior do interior do Rio Grande do Sul. Nos anos cinqüenta, uma das principais fontes de renda de um pequeno agricultor era o leite, vendido diariamente. A safra de fumo, que então se plantava lá em casa, é anual; portanto, entra dinheiro uma única vez. Papai economizava muito, distribuía os ganhos ao longo do ano, mas o leite de cada dia muitas vezes salvava a pátria. Era preciso economizar e haver leite para vender. Assim, eu, o mais velho, uma fileirinha atrás de mim, lá pelos 6 ou 7 anos tinha a missão de deixar leite para os outros. Solução? O mais velho não toma leite para sobrar para os mais novos. Resultado? Nunca mais tomei leite na vida, e por muito tempo nem comia queijo ou qualquer outro derivado, à exceção, não sei porque, de nata.

Uma fileira de muitas bocas também não permitia muitos presentes de Natal. Mesmo assim, noite de Natal a gente custava a dormir, das ‘Krist Kindchen’, Menino Jesus, – então pouco se conhecia Papai Noel, o ‘Pelz Nickel’ - viria a qualquer momento do céu. De manhã todos queriam acordar por primeiro para ver os presentes na cesta de cada um, ‘im Haus’, na grande, enorme sala de casa, usada só para ocasiões especiais: o presépio, alguma rara festa e velórios.

Os presentes eram poucos, mas sempre havia os chocolates, em geral grandes, e o que se recebia de padrinhos e madrinhas, em alegre romaria pela vizinhança e parentes. Mamãe era a encarregada de distribuir módica e metodicamente o que se ganhava. ‘Escondia’ tudo em cima de um armário alto dentro do seu quarto. Ai de quem se aproximasse, coisa, que eu saiba, nunca aconteceu! Nada de comer tudo no dia de Natal ou dias seguintes. Tudo era racionado para durar o maior tempo possível, de preferência até a Páscoa, quando vinha o ‘Haas’, o coelhinho.

Imaginem os chocolates durarem dois a três meses! Cada dia havia uma sessão de distribuição de algum doce ou pedaço de chocolate. Como eram saborosos aqueles pedaços de chocolate depois do meio dia por longos meses!

Assim nasceu meu pão-durismo, fortalecido pela disciplina alemã, afirmado depois no Seminário, onde o dinheiro e tudo mais eram racionadíssimos, até por conta da pobreza franciscana.

Assim tem sido ao longo do tempo e da vida. (Mas conheço de perto três pão-duros mais pão-duros que eu: Lula, Olívio Dutra e o senador Paim. Arrancar alguma coisa dos três é tarefa de mestre. Lula e Paim nunca carregam dinheiro no bolso. Estão sempre ‘desprevenidos’. Olívio carrega uns trocados, contados; no máximo servem para seu próprio gasto, quando ele não consegue achar alguém que o socorra na hora de pagar.)

Não sou, porém, pão-duro para algumas coisas. Nunca deixei de contribuir na política e para o Partido dos Trabalhadores, para os movimentos sociais e pastorais. E não pouco. Daí pra frente, é racionar os chocolates para durarem bastante tempo, e nunca ser pego desprevenido.

O Natal, portanto, além do nascimento de Jesus, a boa nova, tem este componente pessoal, de poucos presentes e raros, e de cuidar bem do pouco que se tem ou ganha. O consumo pelo consumo, o consumismo, não me alcança. Dependesse de mim, o capitalismo estaria falido faz tempo, muito antes da atual crise. O Natal é sinal de pobreza franciscana, o que não deixa de ser louvável nos tempos que correm.

Feliz Natal para todas e todos! Obrigado pela companhia ao longo do ano. Valho-me das palavras de Leonardo Boff, em mensagem de agradecimento que me dirigiu por artigo que escrevi nos seus 70 anos, acontecidos em dezembro:

Toda criança quer ser homem.
Todo homem quer ser rei.
Todo rei quer ser ‘Deus’.
Só Deus quis ser criança.

Selvino Heck
Assessor Especial do Presidente da República
Em vinte e três de dezembro de dois mil e oito
(Ele é mesmo muito pão-duro, posso afirmar!é daquele que usa sandálias Havaianas com arame quando arrebenta as tiras...)

sábado, 6 de dezembro de 2008

Criando o Espírito do Mutirão

Todo mutirão tem alma. Na verdade, a força organizadora do mutirão é o espírito de solidariedade, de amizade e de humanidade. O mutirão não acontece quando a ação em conjunto é realizada por imposição ou por interesse. Nenhuma burocracia é geradora do mutirão.

O mutirão pode sim ser festa, mesmo em meio à dor da tragédia. Ela é festa no organizar, no fazer, e, por difíceis que sejam os trabalhos a serem realizados, eles podem ser feitos em meio à música e versos da cultura popular e ou religiosa. O trabalho não realiza, aqui só obras materiais, ele muda, transforma, recria as pessoas participantes. O mesmo trabalho que enfrenta a tragédia humaniza as pessoas que o realizam, sejam elas o objeto do motivo da ação, os profissionais cuja ação é voltada para a garantia do sucesso do trabalho ou voluntários impulsionados pelo sentimento de solidariedade...

O mutirão é uma prática educativa, todo ele, desde sentidas as necessidades, decididas e organizadas as ações. A educação se faz presente em todas as relações que geraram o espírito presente na cultura do mutirão. E se torna mais presente a cada avanço do grupo que se vê como igual, enquanto comunidade de seres humanos que compartilham o mundo.

...Trago abacaxi de Goiana

E de todo o Estado rolete de cana.

Eis ostras chegando agora,

Apanhadas no cais da Aurora.

Eis tamarindo da Jaqueira

E jaca da Tamarindeira.

Mangabas do Cajueiro

 E cajus da Mangabeira.

Peixe pescados no Passarinho,

Carne de boi dos Peixinhos.

Siris apanhados no lamaçal

Que há no avesso da rua Imperial.

Mangas compradas nos quintais ricos

 do Espinheiro e dos Aflitos.

Goiamuns dados pela gente pobre

Da avenida Sul e da Avenida Norte

( Morte e vida Severina, João Cabral de Melo Neto)

 

Esse texto tem fundamentação nas cartilhas da Rede de Educação Cidadã – Talhe r-  e no sentimento de solidariedade pela tragédia em Santa Catarina provocada pela ação de predadora do homem.

domingo, 23 de novembro de 2008

A história das coisas...

Nesse vídeo, Annie Leonard fala da cadeia produtiva, de como foi planejada sem levar em conta a finitude dos Recursos Naturais e de que nós, Seres Humanos somos parte dessa natureza.
Assita o filme de 20 minutos e comente...

sábado, 1 de novembro de 2008

OPORTUNIDADE


            Oportunidades históricas não aparecem todos os dias. A crise econômico-financeira que está acontecendo no mundo parece ser uma e não pode ser perdida. Diz-se sempre que toda crise abre espaços para o novo e o diferente, para a ruptura, para a mudança. Fora da crise, as instituições são sólidas, não é permitido o questionamento de sua modelagem, muito menos de seu conteúdo. Mas quando se instala a crise, seja no plano social, seja no plano estrutural, seja no plano privado e pessoal, tudo é colocado em xeque, pergunta-se sobre tudo, formulam-se opiniões, constroem-se consensos antes impossíveis, age-se de forma inesperada e imprevisível.

             Não se sabe ainda a extensão da atual crise, sua profundidade, quanto tempo durará. Segundo Paul Krugman, que acabou de receber o Prêmio Nobel de Economia, “a economia real continuará sofrendo”. Por sua vez, o ‘pai’ do Consenso de Washington, John Williamson, que deu base ao neoliberalismo, diz: “O que estamos vendo são as conseqüências do modo como os Estados Unidos vem se comportando há vários anos. A recessão nos EUA é inevitável. O que não sabemos ainda se será uma forte e rápida recessão ou alguma coisa bem mais prolongada”. 

             Já o grande intelectual de esquerda, Noam Chomsky, diz: “Eu não vejo nenhuma indicação de que as instituições básicas do capitalismo estejam prestes a serem significativamente modificadas. Vivemos numa cultura altamente ideológica na qual ‘estatização’ é uma palavra que põe medo, como ‘socialismo’. Perguntado sobre qual tipo de capitalismo vai emergir da atual crise, Chomsky responde: “O capitalismo de Estado será provavelmente muito parecido ao atual, com um pouco mais de regulação e controle sobre as instituições financeiras,que serão reconstruídas com os bancos de investimento. Não há, pelo menos agora, indicações de mudanças dramáticas”.

             É do que se fala todos os dias, páginas e páginas de jornais, noticiários de televisão, até o povo na rua já se pergunta sobre a tal crise, quais as possíveis conseqüências sobre sua vida, seu emprego, seu salário. No meio do turbilhão, as opiniões são muitas e variadas, à luz do vetor ideológico de cada um e dos eventuais interesses em jogo.

             A Comissão Nacional da Rede TALHER de Educação Cidadã, reunida na Chácara do CIMI em Luziânia, fez uma análise de conjuntura, tendo por ponto de partida e centro a ótica dos movimentos sociais, dos governos de esquerda, no objetivo de uma mudança estrutural e popular.  Pelo menos três constatações foram unânimes. A primeira: o capitalismo não está em fase terminal. O que está em crise é um determinado tipo de capitalismo, o neoliberal, implantado a ferro e fogo nas últimas décadas, a partir de Margareth Thatcher na Inglaterra, Ronald Reagan nos Estados Unidos e da ditadura chilena de Pinochet, experiências depois assumidas e seguidas em todo mundo, inclusive no  Brasil, com Collor e FHC. Segunda:  a hegemonia e o poderio americanos (como da Europa e do Japão) estão enfraquecendo. Os países dominantes do último século ou perderão liderança ou ao menos serão obrigados a reparti-la com os BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China. Terceira: os valores neoliberais estão em questionamento. Não se realizaram, não trouxeram a felicidade prometida, não resolveram os problemas do mundo e da humanidade.

             A partir destas constatações, os educadores da equipe nacional do TALHER e os representantes (dois) de cada uma das cinco macro-regiões brasileiras concluíram que esta talvez seja uma oportunidade a não ser desperdiçada. Nos anos oitenta, os ventos da mudança sopraram no Brasil. Organizaram-se movimentos sociais em nível nacional, partidos de esquerda, foram construídos governos populares. A luta de massas estava em ascensão. Nos anos noventa, ao contrário, o descenso marcou as lutas e as organizações sociais de esquerda. Divisões, fragmentação, perda do referencial utópico foram as marcas principais. Nos anos dois mil, houve avanços e houve retrocessos. O novo surgiu na recusa popular aos modelos neoliberais, através da eleição de governos de esquerda e centro-esquerda na América do Sul, ainda que as lutas de massa muitas vezes não fossem as principais propulsoras das vitórias.

             Agora, pode estar-se abrindo novo período. O projeto de sociedade pregado à exaustão, baseado no livre mercado, na competição, no Estado mínimo, nas políticas sociais compensatórias, desmoronou. O projeto de desenvolvimento que se lixava para a natureza, o meio ambiente e a distribuição de renda está-se esvaindo por entre os dedos. É momento de recolocar na cena política e no debate social qual sociedade se quer, sob que valores deve ser construída, com que fundamentos econômico-sociais. Assim como é hora de pensar e repensar qual desenvolvimento é o desejável, como nele incluir todas e todos, como preservar o meio ambiente e a natureza, o que significa uma vida saudável, o que é qualidade de vida.

             A Rede TALHER de Educação Cidadã (assim como o Projeto Escolas-Irmãs) propõe-se a contribuir nesta reflexão. Todos os setores preocupados com o futuro estão convocados. É preciso realizar seminários, retomar processos de formação permanentes, animar todo e qualquer debate, diálogo, troca de idéias, escrever e divulgar experiências, é preciso organizar as lutas do povo pobre e trabalhador. Não é hora de desanimar. Quando as contradições emergem e se tornam visíveis, é hora de desmascará-las, colocá-las a nu, dialeticamente revolvê-las, para que na síntese surja o novo, a esperança, em forma de justiça social, de solidariedade, de garantia dos direitos, de democracia, de partilha.

 

Selvino Heck

Assessor Especial do Presidente da República

Aula de vôo

O conhecimento caminha lento feito lagarta:
Primeiro não sabe que sabe
e, voraz contenta-se com cotidiano orvalho,
deixado nas folhas vividas das manhãs.
Depois pensa que sabe e se fecha em si mesmo:
faz muralhas, cava trincheiras, ergue barricadas.
Defendendo o que pensa saber,
levanta a certeza na forma de muro
orgulhando-se do seu casulo.

Até que maduro explode em vôos,
rindo do tempo que imaginava saber
ou guardava preso o que sabia.
Voa alto sua ousadia,
reconhecendo o suor dos séculos
no orvalho de cada dia.

Mesmo  vôo mais belo descobre um dia não ser eterno.
É tempo de acasalar, voltar à terra com seus  ovos
à espera de novos e prosaicos lagartos.

O conhecimento é assim:
ri de si mesmo e de suas certezas.
É meta da forma , metamorfose, movimento, fluir do tempo
que tanto cria como arrasa
e nos mostra que para o vôo
é preciso tanto o casulo como a asa.
                                     ( Mauro Iasi)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Processo Educativo

A educação popular é uma experiência que se realiza através de atividades formativas, que partem das necessidades sentidas, das ações praticadas e sempre em sintonia com as diversas dimensões das pessoas envolvidas.
Sua tarefa específica é relacionar o fazer (saber empírico) das pessoas com uma reflexão teórica(saber científico) e interagir a dimensão imediata (micro) coma dimensão estratégica (macro).
A educação popular é um processo educativo permanente que tenta concretizar suas convicções, princípios e valores, respondendo adequadamente em cada conjuntura.
(trecho do caderno 1, pg 39 do Talher, por Ranulfo Peloso)

domingo, 26 de outubro de 2008

Canção Óbvia

Escolhi a sombra desta árvore para repousar do muito que farei, enquanto esperarei por ti...
Quem espera na pura espera, vive um tempo de espera .
Por isso, enquanto te espero, trabalharei os campos e conversarei com homens e mulheres.
Suarei meu corpo que o sol queimará, minhas mãos ficarão calejadas.meus pés aprenderão o mistério do caminhar, meus ouvidos ouvirão mais, meus olhos verão o que antes não viam.
Enquanto esperarei por ti, não esperarei na pura espera. 
Porque meu tempo de espera é um tempo de que fazer.
Desconfiarei daqueles que virão dizer-me , em voz baixa e precavidos:
è perigoso agir, é perigoso falar, é perigoso andar; é perigoso esperar na forma em que esperas.
Porque esses recusam  a alegra da tua chegada.
Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me, com palavras fáceis que já chegaste.
Por que esses, ao anunciar-te ingenuamente te denunciam.
Estarei preparando a tua chegada como o jardineiro que prepara o jardim para a rosa que se abrirá na primavera.

 Paulo Freire (Educador, Escreveu város livros: Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da autonimia...entre outros)